ARTIGO: Abrir portas e reparar questões históricas
Por Lígia Mackey*
O dia 8 de março celebra as conquistas femininas ao longo da história e, em 2024, felizmente, podemos comemorar mais reconhecimento da importância da diversidade de gênero em todos os espaços, incluindo o mercado de trabalho. A minha eleição como primeira mulher para presidir o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Estado de São Paulo (Crea-SP), o maior do país, em uma área ainda predominantemente masculina, é um reflexo dessa mudança de mentalidade e um exemplo relevante de que é possível conquistar espaços com os quais nem sonhávamos há muito pouco tempo. Antes tarde que mais tarde. No entanto, a data, que é de luta por direitos, também nos lembra que, apesar do quanto avançamos, ainda temos muito caminho pela frente.
Quando entrei na faculdade de Engenharia Civil éramos apenas 15 mulheres em uma turma de 120 alunos. Precisei ser muito firme para conseguir trabalhar, foi difícil conquistar espaço. Mais de três décadas depois, a situação é um pouco melhor, mas os desafios persistem. Em todas as áreas, mas falarei da tecnológica, que é onde atuo. Em 2021, éramos apenas 14% dos profissionais registrados no Brasil. Nesta época, o Sistema Confea/Crea criou o Programa Mulher, que visa aumentar a presença de mulheres nas profissões, empoderá-las, capacitá-las e promover a igualdade entre os gêneros. Hoje, somos mais de 19%, ainda menos de 20%, apesar de todos os nossos esforços. Mas no Crea-SP estamos na frente: as mulheres compõem mais de 54% do quadro funcional, 32% estão em cargos de liderança e a atual diretoria conta com 100% mais presença feminina que na gestão anterior.
Uma pesquisa divulgada pelo Banco Central mostra que o Brasil está acima da média global no quesito igualdade de gênero, mas ainda atrás de vizinhos como Uruguai e Bolívia. Esse mesmo estudo mostra que, em todo o mundo, apenas 14 países, entre eles Canadá e Bélgica, concedem os mesmos direitos legais aos dois gêneros. Apesar disso, nenhuma economia oferece oportunidades iguais a homens e mulheres. No quesito legislação, as brasileiras vêm conquistando importantes avanços e, em 2023, foram promulgadas diversas leis e decretos que as protegem e garantem mais direitos. Mas, para além de aparatos legais, o mundo precisa de mudanças profundas, com atenção para o fato de que somos sim tão capazes quanto os homens, mas para corrigir erros históricos, vamos precisar de mais.
Na área tecnológica, por exemplo, além de abrir caminhos para mais mulheres, inclusive em cargos de liderança, é necessário diminuir os obstáculos para que elas ingressem nas profissões, o que começa ainda na fase escolar. Antes de combater o preconceito e garantir o acesso e condições de permanência nas universidades e no mercado, é essencial que as meninas tenham a possibilidade de sonhar com essas carreiras. Ou seja, dependemos de toda a sociedade, passando por pais e professores, até referências, como acredito que posso ser na presidência do Crea-SP.
Somos tão capazes como os homens, mas não iguais a eles. O olhar feminino é mais humano e pode ser aplicado para melhorar os ambientes de trabalho e as negociações, entregar melhores serviços e promover inovações que nos ajudem a construir um outro mundo. O cuidado socioambiental, imperativo e urgente, em todas as etapas de qualquer planejamento, está incluso aí. Por isso, trabalhar por mais diversidade de gênero é também reforçar o compromisso ESG, que é outra marca que quero deixar na minha gestão. Que esta data nos lembre de tudo isso, ampliando o nosso olhar e nos dando energia para continuar trabalhando. O caminho ainda é longo, mas acredito que temos tudo para chegar lá e toda a sociedade vai ganhar com isso: homens e mulheres.
*Ligia Mackey é engenheira civil e presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Estado de São Paulo (Crea-SP)