Irrigação e hormônios vegetais elevam produtividade e qualidade do café, revela estudo com modelagem 3D

Pesquisa mostra que irrigação na fase final e uso de reguladores de crescimento aceleram maturação, garantem grãos de melhor qualidade e ajudam a enfrentar os efeitos da seca nas lavouras de café arábica

Fotos: Daniel Medeiros/Embrapa.

Uma pesquisa realizada pela Embrapa Meio Ambiente mostrou que o manejo inteligente da irrigação, aliado à aplicação de reguladores de crescimento vegetal (PGRs), é capaz de elevar tanto a produtividade quanto a qualidade dos grãos de café arábica, mesmo em situações de seca. O estudo utilizou, pela primeira vez, a modelagem 3D da arquitetura das plantas para entender como esses fatores afetam o desenvolvimento dos frutos.

De acordo com a pesquisadora Miroslava Rakočević, a pesquisa avaliou como a irrigação pontual, aplicada durante seis semanas na fase crítica da maturação, e o uso de hormônios vegetais — ácido giberélico e etileno (na forma de Ethephon) — impactam diretamente na fisiologia, na arquitetura e na qualidade do café da variedade Catuaí Vermelho IAC 144.

“Os resultados mostram que a irrigação, mesmo em curto prazo, preserva a área foliar e mantém a fotossíntese em níveis elevados, garantindo maior assimilação de carbono e, consequentemente, mais energia para o enchimento dos grãos, explicou Miroslava. Sem água, as plantas sofrem queda na área foliar, na atividade fotossintética e na quantidade de frutos maduros — os grãos vermelhos ideais para a colheita”.

Por outro lado, a irrigação pode provocar um leve atraso na maturação. Para equilibrar esse efeito, a pesquisa testou o uso de PGRs. A aplicação de ácido giberélico se destacou por antecipar e uniformizar a maturação, além de reduzir a proporção de frutos verdes no momento da colheita. Já o Ethephon também acelerou a maturação e aumentou os teores de compostos fenólicos — que contribuem para o sabor e o potencial antioxidante do café —, mas com um efeito colateral: maior queda de folhas e alguns frutos.

Impacto vai além da produtividade
Eunice Reis, pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente destaca que, a irrigação e os PGRs não impactam apenas na quantidade de grãos, mas também na sua composição química e na distribuição dentro da planta. Grãos oriundos dos estratos médios e superiores da copa apresentaram maior teor de lipídios e compostos benéficos como o kahweol, fundamentais para aroma, sabor e qualidade da bebida.

“Por outro lado, o topo da planta (acima de 160 cm) apresentou menores teores de cafeína, proteínas e polifenóis totais quando comparado ao estrato intermediário. Já o teor de lipídios foi maior justamente na parte superior, o que sugere que a altura dos frutos no cafeeiro influencia diretamente suas características químicas”.

“Um dos achados mais relevantes foi a confirmação do papel estratégico dos ramos de terceira ordem na produção de café, ressalta Miroslava. Até então, o manejo tradicional focava nos ramos de segunda ordem. A modelagem 3D mostrou que esses ramos de terceira ordem são responsáveis por até 37% das bagas vermelhas e 25% das verdes, principalmente nas plantas irrigadas. Isso significa que práticas como podas e manejo da copa precisam considerar a importância desses ramos para garantir uma safra mais equilibrada e produtiva”, disse ela.

A pesquisa utilizou ferramentas avançadas de modelagem funcional-estrutural de plantas e softwares como o CoffePlant3D e o VegeSTAR para simular como as plantas respondem aos diferentes manejos. Essas simulações mostraram, em alta resolução, como a arquitetura da planta, a distribuição dos ramos e a posição dos frutos afetam tanto a captação de luz quanto o desenvolvimento dos grãos.

Essas análises permitiram calcular com precisão como a fotossíntese varia nos diferentes estratos da planta e como isso se reflete na produtividade e na qualidade. Dados como taxa de fotossíntese, condutância estomática e transpiração foram mais altos nas plantas irrigadas, sobretudo nos estratos médios e superiores, reforçando que a irrigação é essencial para manter o funcionamento fisiológico da planta sob estresse hídrico.

A pesquisa foi realizada na safra de 2018, marcada por uma estiagem severa entre abril e maio — justamente no período crítico de granação dos frutos. Esse cenário, infelizmente, está se tornando cada vez mais comum nas principais regiões cafeeiras do Brasil, já impactadas pelas mudanças climáticas.

Os resultados oferecem soluções práticas para mitigar esses efeitos. A irrigação de curto prazo, aplicada apenas na fase de maturação, se mostrou suficiente para preservar a produtividade e a qualidade dos grãos, sem necessidade de irrigação constante durante todo o ciclo. Quando combinada com a aplicação de GA3, essa estratégia gera frutos mais uniformes, maduros e de maior qualidade, além de reduzir os problemas associados à colheita de frutos verdes, que prejudicam a bebida com sabores indesejados.

O Ethephon, apesar de também antecipar a maturação, deve ser usado com cautela, pois seu efeito de aumento nos compostos fenólicos vem acompanhado de maior risco de queda de folhas e frutos, especialmente se não houver irrigação adequada.

Café de qualidade, mesmo com menos água
Para Fábio Matsunaga, pesquisador do UniSENAI, o estudo confirma que é possível produzir café de alta qualidade mesmo sob estresse hídrico, desde que haja manejo eficiente da água e uso criterioso de reguladores de crescimento. Essa estratégia é particularmente valiosa para produtores que enfrentam floradas desuniformes — uma realidade comum nas regiões produtoras — e que buscam melhorar tanto o rendimento quanto a qualidade sensorial do café.

Além dos benefícios econômicos, as práticas recomendadas no estudo também são mais sustentáveis, pois evitam o uso excessivo de água e produtos químicos, ao mesmo tempo em que mantêm a planta saudável e produtiva. Ao integrar tecnologia de ponta, como a modelagem 3D, com conhecimento agronômico e fisiologia vegetal, a pesquisa abre novos caminhos para uma cafeicultura mais resiliente às mudanças climáticas.

Os resultados deixam claro que o futuro da produção de café passa pela adoção de práticas de manejo mais precisas, capazes de equilibrar produtividade, qualidade e sustentabilidade, mesmo em condições climáticas cada vez mais desafiadoras. Para os produtores, a mensagem é direta: investir em manejo inteligente da irrigação e no uso adequado de reguladores de crescimento não é mais uma opção — é uma necessidade para garantir rentabilidade e qualidade no café que chega à xícara dos consumidores.

A equipe do trabalho é composta por Miroslava Rakočević (Unicamp), Eunice Batista (Embrapa Meio Ambiente), Fábio Takeshi Matsunaga (UniSENAI-PR) e Maria Brígida dos Santos Scholz (Instituto Agronômico do Paraná).

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